Existe uma tendência contemporânea no processo penal que busca o equilíbrio entre a exigência de assegurar ao investigado, ao acusado e ao condenado a aplicação das garantias fundamentais do devido processo legal e a necessidade de maior eficiência do sistema persecutório para a segurança social. Embora reconhecidamente de difícil aplicação esse equilíbrio, essa tendência pode ser caracterizada por ser uma meta ou diretriz a ser seguida pelo processo penal.
A repressão ao crime organizado é muito difícil do ponto de vista de colheita de provas visto que ela atua de modo a evitar a evitar o encontro de fontes de prova de seus crimes. Por isso, a Lei 9.034/95 prescreveu meios de obtenção de provas até então inexistentes no processo penal brasileiro, tais como: a ação controlada e infiltração policial.
Conforme anota o Professor Antônio Scarance Fernandes, existe uma distinção no que se refere aos meios de investigação e formação de provas. Em seu artigo[1], o equilíbrio entre a eficiência e o garantismo e o crime organizado, o mesmo ressalta que para analisar o equilíbrio entre a repressão ao crime organizado e os direitos fundamentais “interessa a separação dos meios de investigação em duas categorias: os meios não específicos e os meios específicos”.
Os meios não específicos são aqueles elencados expressamente na Lei 9.034/95 e posteriormente acrescentados pela Lei 10.217/01, ou seja, são aqueles que importam maiores restrições aos direitos individuais. São eles; o acesso a dados, documentos e informações fiscais, bancárias, financeiras e eleitorais (art.2º III); a captação e a interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos, e o seu registro e análise, mediante circunstanciada autorização judicial (art.2º IV acrescentado à Lei 9.034/95 pela Lei 10.217/01).
Os meios específicos são: a ação controlada (art.2º II), que consiste em retardar a intervenção policial nas supostas ações praticadas por organizações criminosas ou a elas vinculadas, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz do ponto de vista da formação de provas e fornecimento de informações, e infiltração por agentes de polícia ou de inteligência (art.2º V acrescentado à Lei 9.034/95 pela Lei 10.217/01), em tarefas de investigação, constituídas por órgãos especializados e mediante autorização judicial fundamentada.
No que se refere aos meios não específicos, surge uma polêmica. A constituição prevê a inviolabilidade do sigilo a correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal (art.5º XII), enquanto que Lei 9.034/95 declara que o acesso a dados, documentos e informações fiscais, bancárias, financeiras e eleitorais é permitido como procedimento de investigação e formação de provas (art.2º III).
Se definirmos dados[2] como elemento de informação, em forma apropriada para armazenamento, processamento ou transmissão por meios automáticos, literalmente há uma incompatibilidade entre os dispositivos supracitados já que a Constituição autoriza tão somente a quebra do sigilo telefônico, desde que, mediante ordem judicial nas hipóteses e forma que a lei estabelecer e para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.
No entanto, o Código Tributário Nacional prevê a violação do sigilo fiscal (art.198 §1º, I), a LC 105/01 (art.1º §4) em relação ao sigilo bancário e o Código Eleitoral prescreve a obrigação das repartições públicas em fornecerem informações eleitorais desde que requisitadas pelas autoridades (art.371).
Portanto, em face da Constituição Federal não ter mencionado especificamente a proteção aos sigilos bancário e fiscal, bem como ter declarado a inviolabilidade da correspondência, das comunicações telegráficas e de dados, entendemos que dentro dos critérios estritos de aplicação do critério da proporcionalidade, admite-se a violação a estes sigilos quando necessária para proteger outro bem de valor superior ao do sigilo violado e também objeto de proteção constitucional.
Sobre a interceptação ambiental, o ilustre mestre Eugenio Pacelli faz distinção entre gravação clandestina, quando desconhecida por um ou por todos os interlocutores, e autorizada, quando com a ciência e concordância destes ou quando decorrente de autorização judicial, de modo que, segundo ele; “as gravações clandestinas são evidentemente ilegais, porquanto violam o direito à privacidade e/ou à intimidade dos interlocutores, razão pela qual, em principio e como regra, configuram provas obtidas ilicitamente, pelo que serão inadmissíveis no processo”. [3]
Em relação aos meios específicos, importa destacar a inexistência de lei que regule a infiltração policial nas organizações criminosas visto que os agentes infiltrados tendem a cometer crimes objetivando sua ascensão nas organizações criminosas.
A Lei 9.034/90, em seu artigo 5º, com fulcro na Constituição Federal (art.5º LVIII), exigiu a identificação criminal de pessoas envolvidas com a ação praticada por organizações criminosas, independente da identificação civil tendo em vista a dificuldade em perseguir os membros de uma organização criminosa.
Algumas legislações extravagantes contêm normas especificas sobre a produção de provas. As disposições constantes da Lei de proteção às testemunhas (Lei 9.807/99) objetivam evitar que as mesmas possam ser vitimas de ataques e impedidas de prestarem depoimentos.
A colaboração dos membros da própria organização criminosa é uma importante fonte de prova, por isso foi criado o instituto da delação premiada que consiste em disposições jurídicas que visam estimular a colaboração de membros de uma determinada organização. A delação premiada foi introduzida no ordenamento nacional pela Lei dos crimes hediondos e equiparados (Lei 8.072/90), embora outras normas mencionem o instituto tais como: o artigo 16, parágrafo único, da Lei 8.137/90 que define os crimes contra a ordem tributaria, o artigo 6º da Lei 9.034/95 ora analisada.
É de conhecimento geral que uma das funções do Estado é justamente propiciar segurança aos cidadãos de forma a garantir o bem estar social. No entanto, sendo o bem estar social de algum modo alterado, cabe ao mesmo Estado perseguir e julgar o agente ou os agentes causadores dessa alteração conforme as normas penais vigentes, garantindo-lhes todos os direitos inerentes ao devido processo legal.
[1] FERNANDES, Antonio Scarance. O equilíbrio entre a eficiência e o garantismo e o crime organizado. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo, Revista dos Tribunais; IBCCRIM, v. 16, n. 70, p.229-268. jan./fev. 2008.
[2] Aurélio Buarque de Holanda Ferreira. Mini Aurélio século XXI. p.201
[3] OLIVEIRA, Eugenio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 7 ed. Ver. Atual, e ampl, Belo Horizonte: Del Rey, 2007.