domingo, 1 de setembro de 2013

FUNÇÃO JURISDICIONAL E PODER JUDICIARIO NACIONAL

1. Função jurisdicional

Como sabido, a jurisdição é atividade por via da qual se manifesta uma das funções políticas do Estado: a função judicial ou jurisdicional. Através dela, o Estado, que deve ser provocado, substituindo-se às partes e de forma imparcial, compõem os conflitos ocorrentes, de interesse ou não, e declara o direito aplicável ao caso, podendo, inclusive, executar suas próprias decisões.

Como função do Estado de declarar e realizar o direito diante de uma situação controvertida visando solucioná-la, a jurisdição é uma atividade secundária (pois através dela o Estado realiza uma atividade que deveria ter sido primariamente e espontaneamente exercida pelas partes), instrumental (pois é o meio ou instrumento de que o próprio direito dispõe para impor-se obediência a todos), desinteressada (pois a jurisdição não cede a nenhum dos interesses envolvidos) e provocada (é atividade inicialmente inerte).

A diversidade das situações a remover e solucionar determina, por seu turno, a diversidade de jurisdição, apesar desta ser una e indivisível. De interesse, no entanto, a distinção da jurisdição, quanto à matéria, que pode ser ordinária e constitucional.

Nesse passo, a jurisdição constitucional deve ser compreendida como uma função responsável pela remoção e solução dos conflitos de natureza constitucional, pouco importando o órgão jurisdicional que a exerça, enquanto a jurisdição ordinária cuidaria de todos os demais conflitos, ostentando uma natureza residual.

O Brasil adota o sistema de unicidade de jurisdição. Isso significa que somente o Poder Judiciário tem jurisdição, ou seja, somente ele pode dizer, em caráter definitivo, o direito aplicável aos casos concretos litigiosos submetidos a sua apreciação. O Poder Judiciário divide-se basicamente em duas esferas: a Justiça Federal e a Justiça Estadual.

A função típica do Judiciário é a função jurisdicional, pela qual lhe compete, coercitivamente, em caráter definitivo, dizer e aplicar o Direito às controvérsias a ele submetidas. Entretanto, assim como os demais Poderes da República, o Judiciário também desempenha funções acessórias ou atípicas, de natureza administrativa e legislativa.

Não se consegue conceituar um verdadeiro Estado Democrático de Direito sem a existência de um Poder Judiciário autônomo e independente. A independência judicial constitui um direito fundamental dos cidadãos, incluindo aí o direito à tutela judicial e o direito ao processo e ao julgamento por um Tribunal independente e imparcial.

2. Órgãos do Poder Judiciário Brasileiro

Nos termos do art. 92 da CF, são órgãos do Poder Judiciário:

I - o Supremo Tribunal Federal;

I-A o Conselho Nacional de Justiça;

II - o Superior Tribunal de Justiça;

III - os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais;

IV - os Tribunais e Juízes do Trabalho;

V - os Tribunais e Juízes Eleitorais;

VI - os Tribunais e Juízes Militares;

VII - os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios.

O STF, o STJ, o TST, o TSE e o STM são órgãos de convergência, na medida em que, nos respectivos ramos do direito de que cuidam, têm eles a última palavra, fazendo com que as decisões do Judiciário convirjam para o que decidirem esses Tribunais[1].

Enquanto a classificação em órgãos de convergência se baseia nos ramos do direito, a classificação em órgãos de superposição esta leva em conta a divisão orgânica do Poder Judiciário. Assim, órgãos de superposição são aqueles que não pertencem a nenhum dos ramos do Poder Judiciário, isto é, o STF e o STJ.

Embora o STF e o STJ não pertençam a qualquer dos ramos do Poder Judiciário, suas decisões têm, no curso do processo, poder derrogatório sobre as decisões, no caso do STF, de todos os outros órgãos do Judiciário, e, no caso do STJ, de todos os órgãos da Justiça Comum, seja ela Federal ou Estadual/Distrital.

A EC nº45/04 extinguiu os tribunais de alçada, onde existiam, determinando que seus membros passem a integrar os tribunais de justiça dos respectivos estados-membros, respeitados a antiguidade e classe de origem.

O STF e os Tribunais Superiores têm jurisdição em todo o território nacional e, assim, como o Conselho Nacional de Justiça, têm sede na Capital Federal. O STF é o órgão máximo do Poder Judiciário, ocupando a digna posição de especial guardião da CF.

3. Garantias e vedações

As garantias atribuídas ao Judiciário assumem importantíssimo papel no cenário da tripartição de poderes, assegurando-lhe a independência para decidir livremente, sem se abalar com qualquer tipo de pressão que venha dos outros poderes.

José Afonso da Silva[2] divide tais garantias em:

·Garantias funcionais: também chamadas de garantias da magistratura, asseguram a independência e a imparcialidade dos membros do Poder Judiciário no exercício da função jurisdicional;

·Garantias institucionais: assistem o próprio Judiciário como instituição política fundamental no Estado Democrático de Direito, e compreendem as garantias de autonomia orgânico-administrativa e financeira.

As garantias funcionais estão previstas no art. 95 da CF e podem ser assim dispostas:

·Garantias de independência dos juízes: vitaliciedade; inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos;

·Garantias de imparcialidade dos juízes, que se expressam por meio das seguintes vedações: 1) exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério; 2) receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo; 3) dedicar-se à atividade político partidária; 4) receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei; 5) exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração.

Pela vitaliciedade, prevista no art. 95, I, o juiz, após dois anos de exercício (no primeiro grau) só pode perder o cargo em virtude de sentença judicial transitada em julgado. Antes de dois anos, estando o magistrado em período de estágio probatório, a perda do cargo pode operar-se por deliberação do Tribunal a que o juiz estiver vinculado. Nos Tribunais, a vitaliciedade é automática com a posse no cargo, não havendo estágio probatório.

Através da regra da inamovibilidade (art. 95, II), garante-se ao Juiz a impossibilidade de remoção, sem seu consentimento, de um local para outro, de uma comarca para outra, ou mesmo sede, cargo, tribunal, câmara, grau de jurisdição. Esta regra não é absoluta, pois, como estabelece o art. 93, VIII, o magistrado poderá ser removido (além de colocado em disponibilidade e aposentado), por interesse público, fundando-se tal decisão por voto da maioria absoluta do respectivo Tribunal ou do CNJ, assegurada ampla defesa.

A irredutibilidade de subsídios, por fim, prevista no art. 95, III, almeja garantir aos magistrados a necessária tranquilidade para o exercício do cargo, protegendo-o de perseguições governamentais de natureza econômica. Vale ressaltar que o STF já se pronunciou no sentido de tratar-se de garantia nominal e não real, ou seja, os magistrados não estão livres da corrosão de seus subsídios pela inflação.

As garantias institucionais são conferidas pela CF aos Tribunais, dotando-os de garantia de autonomia orgânico-administrativa, que compreende a sua independência na organização e funcionamento de seus órgãos e serviços e de garantia de autonomia financeira, que abrange a sua independência na elaboração das propostas orçamentárias e execução de seus orçamentos.

Assim, a garantia de autonomia orgânico-administrativa, prevista no art. 96 da CF, revela-se na competência privativa conferida:

·Aos tribunais: a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos; b) organizar suas secretarias e serviços auxiliares e os dos juízos que lhes forem vinculados, velando pelo exercício da atividade correicional respectiva; c) prover, na forma prevista nesta Constituição, os cargos de juiz de carreira da respectiva jurisdição; d) propor a criação de novas varas judiciárias; e) prover, por concurso público de provas, ou de provas e títulos, obedecido o disposto no art. 169, parágrafo único, os cargos necessários à administração da Justiça, exceto os de confiança assim definidos em lei; f) conceder licença, férias e outros afastamentos a seus membros e aos juízes e servidores que lhes forem imediatamente vinculados;

·Ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores e aos Tribunais de Justiça propor ao Poder Legislativo respectivo, observado o disposto no art. 169: a) a alteração do número de membros dos tribunais inferiores; b) a criação e a extinção de cargos e a remuneração dos seus serviços auxiliares e dos juízos que lhes forem vinculados, bem como a fixação do subsídio de seus membros e dos juízes, inclusive dos tribunais inferiores, onde houver; c) a criação ou extinção dos tribunais inferiores; d) a alteração da organização e da divisão judiciárias;

·Aos Tribunais de Justiça julgar os juízes estaduais e do Distrito Federal e Territórios, bem como os membros do Ministério Público, nos crimes comuns e de responsabilidade, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral.

A garantia de autonomia financeira, tal como estabelecida no art. 99 da CF, consiste no poder que se atribui ao Judiciário de elaborar sua proposta orçamentária, em face do que:

·Os tribunais elaborarão suas propostas orçamentárias dentro dos limites estipulados conjuntamente com os demais Poderes na lei de diretrizes orçamentárias (§1º);

·O encaminhamento da proposta, ouvidos os outros tribunais interessados, compete:I - no âmbito da União, aos Presidentes do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores, com a aprovação dos respectivos tribunais; II - no âmbito dos Estados e no do Distrito Federal e Territórios, aos Presidentes dos Tribunais de Justiça, com a aprovação dos respectivos tribunais (§2º).

Se os órgãos referidos acima não encaminharem as respectivas propostas orçamentárias dentro do prazo estabelecido na lei de diretrizes orçamentárias, o Poder Executivo considerará, para fins de consolidação da proposta orçamentária anual, os valores aprovados na lei orçamentária vigente, ajustados de acordo com os limites estipulados na forma do § 1º deste artigo.

Se as propostas orçamentárias forem encaminhadas em desacordo com os limites estipulados na forma do § 1º, o Poder Executivo procederá aos ajustes necessários para fins de consolidação da proposta orçamentária anual.

Durante a execução orçamentária do exercício, não poderá haver a realização de despesas ou a assunção de obrigações que extrapolem os limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias, exceto se previamente autorizadas, mediante a abertura de créditos suplementares ou especiais.

Como garantia assecuratória da autonomia financeira, a CF/88 estabelece em seu art. 168 que os recursos correspondentes às dotações orçamentárias, compreendidos os créditos suplementares e especiais, destinados aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário e do Ministério Público, ser-lhes-ão entregues até o dia 20 de cada mês, na forma da lei complementar a que se refere o art. 165, § 9º.

4. Estatuto da Magistratura

O Estatuto da Magistratura consiste num conjunto de normas constitucionais e legais, destinadas à disciplina da carreira da magistratura, forma e requisitos de acesso, critérios de promoção, aposentadoria, subsídio, vantagens, direitos, deveres, responsabilidades, impedimentos e outros aspectos relacionados à atividade de magistrado.

Em consonância com o art. 93 da CF, Lei Complementar, de iniciativa do STF, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observando os princípios enumerados na Carta Constitucional. O STF já decidiu que a aplicabilidade das normas e princípios inscritos no art. 93 independe da promulgação do Estatuto, em face do caráter de plena e integral eficácia de que se revestem aqueles preceitos.

Os princípios são os seguintes:

I - ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz substituto, mediante concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e obedecendo-se, nas nomeações, à ordem de classificação;

II - promoção de entrância para entrância, alternadamente, por antigüidade e merecimento, atendidas as seguintes normas:

·É obrigatória a promoção do juiz que figure por três vezes consecutivas ou cinco alternadas em lista de merecimento;

·A promoção por merecimento pressupõe dois anos de exercício na respectiva entrância e integrar o juiz a primeira quinta parte da lista de antiguidade desta, salvo se não houver com tais requisitos quem aceite o lugar vago;

·Aferição do merecimento conforme o desempenho e pelos critérios objetivos de produtividade e presteza no exercício da jurisdição e pela frequência e aproveitamento em cursos oficiais ou reconhecidos de aperfeiçoamento;

·Na apuração de antiguidade, o tribunal somente poderá recusar o juiz mais antigo pelo voto fundamentado de dois terços de seus membros, conforme procedimento próprio, e assegurada ampla defesa, repetindo-se a votação até fixar-se a indicação;

·Não será promovido o juiz que, injustificadamente, retiver autos em seu poder além do prazo legal, não podendo devolvê-los ao cartório sem o devido despacho ou decisão;

III o acesso aos tribunais de segundo grau far-se-á por antiguidade e merecimento, alternadamente, apurados na última ou única entrância;

IV previsão de cursos oficiais de preparação, aperfeiçoamento e promoção de magistrados, constituindo etapa obrigatória do processo de vitaliciamento a participação em curso oficial ou reconhecido por escola nacional de formação e aperfeiçoamento de magistrados;

V - o subsídio dos Ministros dos Tribunais Superiores corresponderá a noventa e cinco por cento do subsídio mensal fixado para os Ministros do Supremo Tribunal Federal e os subsídios dos demais magistrados serão fixados em lei e escalonados, em nível federal e estadual, conforme as respectivas categorias da estrutura judiciária nacional, não podendo a diferença entre uma e outra ser superior a dez por cento ou inferior a cinco por cento, nem exceder a noventa e cinco por cento do subsídio mensal dos Ministros dos Tribunais Superiores, obedecido, em qualquer caso, o disposto nos arts. 37, XI, e 39, § 4º;

VI - a aposentadoria dos magistrados e a pensão de seus dependentes observarão o disposto no art. 40;

VII - o juiz titular residirá na respectiva comarca, salvo autorização do tribunal;

VIII - o ato de remoção, disponibilidade e aposentadoria do magistrado, por interesse público, fundar-se-á em decisão por voto da maioria absoluta do respectivo tribunal ou do Conselho Nacional de Justiça, assegurada ampla defesa;

VIII-A - a remoção a pedido ou a permuta de magistrados de comarca de igual entrância atenderá, no que couber, ao disposto nas alíneas a , b , c e e do inciso II;

IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;

X - as decisões administrativas dos tribunais serão motivadas e em sessão pública, sendo as disciplinares tomadas pelo voto da maioria absoluta de seus membros;

XI - nos tribunais com número superior a vinte e cinco julgadores, poderá ser constituído órgão especial, com o mínimo de onze e o máximo de vinte e cinco membros, para o exercício das atribuições administrativas e jurisdicionais delegadas da competência do tribunal pleno, provendo-se metade das vagas por antiguidade e a outra metade por eleição pelo tribunal pleno;

XII - a atividade jurisdicional será ininterrupta, sendo vedado férias coletivas nos juízos e tribunais de segundo grau, funcionando, nos dias em que não houver expediente forense normal, juízes em plantão permanente;

XIII - o número de juízes na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda judicial e à respectiva população;

XIV - os servidores receberão delegação para a prática de atos de administração e atos de mero expediente sem caráter decisório;

XV a distribuição de processos será imediata, em todos os graus de jurisdição.

[1] DINAMARCO, Instituições de direito processual civil, v. 1, p. 368.
[2] José Afonso da Silva, Curso.... p. 502.