1.
Função jurisdicional
Como
sabido, a jurisdição é atividade por via da qual se manifesta uma
das funções políticas do Estado: a função judicial ou
jurisdicional. Através dela, o Estado, que deve ser provocado,
substituindo-se às partes e de forma imparcial, compõem os
conflitos ocorrentes, de interesse ou não, e declara o direito
aplicável ao caso, podendo, inclusive, executar suas próprias
decisões.
Como
função do Estado de declarar e realizar o direito diante de uma
situação controvertida visando solucioná-la, a jurisdição é uma
atividade secundária (pois através dela o Estado realiza uma
atividade que deveria ter sido primariamente e espontaneamente
exercida pelas partes), instrumental (pois é o meio ou instrumento
de que o próprio direito dispõe para impor-se obediência a todos),
desinteressada (pois a jurisdição não cede a nenhum dos interesses
envolvidos) e provocada (é atividade inicialmente inerte).
A
diversidade das situações a remover e solucionar determina, por seu
turno, a diversidade de jurisdição, apesar desta ser una e
indivisível. De interesse, no entanto, a distinção da jurisdição,
quanto à matéria, que pode ser ordinária e constitucional.
Nesse
passo, a jurisdição constitucional deve ser compreendida como uma
função responsável pela remoção e solução dos conflitos de
natureza constitucional, pouco importando o órgão jurisdicional que
a exerça, enquanto a jurisdição ordinária cuidaria de todos os
demais conflitos, ostentando uma natureza residual.
O
Brasil adota o sistema de unicidade de jurisdição. Isso significa
que somente o Poder Judiciário tem jurisdição, ou seja, somente
ele pode dizer, em caráter definitivo, o direito aplicável aos
casos concretos litigiosos submetidos a sua apreciação. O Poder
Judiciário divide-se basicamente em duas esferas: a Justiça Federal
e a Justiça Estadual.
A
função típica do Judiciário é a função jurisdicional, pela
qual lhe compete, coercitivamente, em caráter definitivo, dizer e
aplicar o Direito às controvérsias a ele submetidas. Entretanto,
assim como os demais Poderes da República, o Judiciário também
desempenha funções acessórias ou atípicas, de natureza
administrativa e legislativa.
Não
se consegue conceituar um verdadeiro Estado Democrático de Direito
sem a existência de um Poder Judiciário autônomo e independente. A
independência judicial constitui um direito fundamental dos
cidadãos, incluindo aí o direito à tutela judicial e o direito ao
processo e ao julgamento por um Tribunal independente e imparcial.
2.
Órgãos do Poder Judiciário Brasileiro
Nos
termos do art. 92 da CF, são órgãos do Poder Judiciário:
I
- o Supremo Tribunal Federal;
I-A
o Conselho Nacional de Justiça;
II
- o Superior Tribunal de Justiça;
III
- os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais;
IV
- os Tribunais e Juízes do Trabalho;
V
- os Tribunais e Juízes Eleitorais;
VI
- os Tribunais e Juízes Militares;
VII
- os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e
Territórios.
O STF, o STJ, o TST, o
TSE e o STM são órgãos de convergência, na medida em que, nos
respectivos ramos do direito de que cuidam, têm eles a última
palavra, fazendo com que as decisões do Judiciário convirjam para o
que decidirem esses Tribunais[1].
Enquanto
a classificação em órgãos de convergência se baseia nos ramos do
direito, a classificação em órgãos de superposição esta leva em
conta a divisão orgânica do Poder Judiciário. Assim, órgãos de
superposição são aqueles que não pertencem a nenhum dos ramos do
Poder Judiciário, isto é, o STF e o STJ.
Embora
o STF e o STJ não pertençam a qualquer dos ramos do Poder
Judiciário, suas decisões têm, no curso do processo, poder
derrogatório sobre as decisões, no caso do STF, de todos os outros
órgãos do Judiciário, e, no caso do STJ, de todos os órgãos da
Justiça Comum, seja ela Federal ou Estadual/Distrital.
A
EC nº45/04 extinguiu os tribunais de alçada, onde existiam,
determinando que seus membros passem a integrar os tribunais de
justiça dos respectivos estados-membros, respeitados a antiguidade e
classe de origem.
O
STF e os Tribunais Superiores têm jurisdição em todo o território
nacional e, assim, como o Conselho Nacional de Justiça, têm sede na
Capital Federal. O STF é o órgão máximo do Poder Judiciário,
ocupando a digna posição de especial guardião da CF.
3.
Garantias e vedações
As
garantias atribuídas ao Judiciário assumem importantíssimo papel
no cenário da tripartição de poderes, assegurando-lhe a
independência para decidir livremente, sem se abalar com qualquer
tipo de pressão que venha dos outros poderes.
·Garantias
funcionais: também chamadas de garantias da magistratura, asseguram
a independência e a imparcialidade dos membros do Poder Judiciário
no exercício da função jurisdicional;
·Garantias
institucionais: assistem o próprio Judiciário como instituição
política fundamental no Estado Democrático de Direito, e
compreendem as garantias de autonomia orgânico-administrativa e
financeira.
As
garantias funcionais estão previstas no art. 95 da CF e podem ser
assim dispostas:
·Garantias
de independência dos juízes: vitaliciedade; inamovibilidade e
irredutibilidade de vencimentos;
·Garantias
de imparcialidade dos juízes, que se expressam por meio das
seguintes vedações: 1) exercer, ainda que em disponibilidade, outro
cargo ou função, salvo uma de magistério; 2) receber, a qualquer
título ou pretexto, custas ou participação em processo; 3)
dedicar-se à atividade político partidária; 4) receber, a qualquer
título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas,
entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas
em lei; 5) exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se
afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por
aposentadoria ou exoneração.
Pela
vitaliciedade, prevista no art. 95, I, o juiz, após dois anos de
exercício (no primeiro grau) só pode perder o cargo em virtude de
sentença judicial transitada em julgado. Antes de dois anos, estando
o magistrado em período de estágio probatório, a perda do cargo
pode operar-se por deliberação do Tribunal a que o juiz estiver
vinculado. Nos Tribunais, a vitaliciedade é automática com a posse
no cargo, não havendo estágio probatório.
Através
da regra da inamovibilidade (art. 95, II), garante-se ao Juiz a
impossibilidade de remoção, sem seu consentimento, de um local para
outro, de uma comarca para outra, ou mesmo sede, cargo, tribunal,
câmara, grau de jurisdição. Esta regra não é absoluta, pois,
como estabelece o art. 93, VIII, o magistrado poderá ser removido
(além de colocado em disponibilidade e aposentado), por interesse
público, fundando-se tal decisão por voto da maioria absoluta do
respectivo Tribunal ou do CNJ, assegurada ampla defesa.
A
irredutibilidade de subsídios, por fim, prevista no art. 95, III,
almeja garantir aos magistrados a necessária tranquilidade para o
exercício do cargo, protegendo-o de perseguições governamentais de
natureza econômica. Vale ressaltar que o STF já se pronunciou no
sentido de tratar-se de garantia nominal e não real, ou seja, os
magistrados não estão livres da corrosão de seus subsídios pela
inflação.
As
garantias institucionais são conferidas pela CF aos Tribunais,
dotando-os de garantia de autonomia orgânico-administrativa, que
compreende a sua independência na organização e funcionamento de
seus órgãos e serviços e de garantia de autonomia financeira, que
abrange a sua independência na elaboração das propostas
orçamentárias e execução de seus orçamentos.
Assim,
a garantia de autonomia orgânico-administrativa, prevista no art. 96
da CF, revela-se na competência privativa conferida:
·Aos
tribunais: a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus
regimentos internos, com observância das normas de processo e das
garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o
funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e
administrativos; b) organizar suas secretarias e serviços auxiliares
e os dos juízos que lhes forem vinculados, velando pelo exercício
da atividade correicional respectiva; c) prover, na forma prevista
nesta Constituição, os cargos de juiz de carreira da respectiva
jurisdição; d) propor a criação de novas varas judiciárias; e)
prover, por concurso público de provas, ou de provas e títulos,
obedecido o disposto no art. 169, parágrafo único, os cargos
necessários à administração da Justiça, exceto os de confiança
assim definidos em lei; f) conceder licença, férias e outros
afastamentos a seus membros e aos juízes e servidores que lhes forem
imediatamente vinculados;
·Ao
Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores e aos Tribunais de
Justiça propor ao Poder Legislativo respectivo, observado o disposto
no art. 169: a) a alteração do número de membros dos tribunais
inferiores; b) a criação e a extinção de cargos e a remuneração
dos seus serviços auxiliares e dos juízos que lhes forem
vinculados, bem como a fixação do subsídio de seus membros e dos
juízes, inclusive dos tribunais inferiores, onde houver; c) a
criação ou extinção dos tribunais inferiores; d) a alteração da
organização e da divisão judiciárias;
·Aos
Tribunais de Justiça julgar os juízes estaduais e do Distrito
Federal e Territórios, bem como os membros do Ministério Público,
nos crimes comuns e de responsabilidade, ressalvada a competência da
Justiça Eleitoral.
A
garantia de autonomia financeira, tal como estabelecida no art. 99 da
CF, consiste no poder que se atribui ao Judiciário de elaborar sua
proposta orçamentária, em face do que:
·Os
tribunais elaborarão suas propostas orçamentárias dentro dos
limites estipulados conjuntamente com os demais Poderes na lei de
diretrizes orçamentárias (§1º);
·O
encaminhamento da proposta, ouvidos os outros tribunais interessados,
compete:I - no âmbito da União, aos Presidentes do Supremo Tribunal
Federal e dos Tribunais Superiores, com a aprovação dos respectivos
tribunais; II - no âmbito dos Estados e no do Distrito Federal e
Territórios, aos Presidentes dos Tribunais de Justiça, com a
aprovação dos respectivos tribunais (§2º).
Se
os órgãos referidos acima não encaminharem as respectivas
propostas orçamentárias dentro do prazo estabelecido na lei de
diretrizes orçamentárias, o Poder Executivo considerará, para fins
de consolidação da proposta orçamentária anual, os valores
aprovados na lei orçamentária vigente, ajustados de acordo com os
limites estipulados na forma do § 1º deste artigo.
Se
as propostas orçamentárias forem encaminhadas em desacordo com os
limites estipulados na forma do § 1º, o Poder Executivo procederá
aos ajustes necessários para fins de consolidação da proposta
orçamentária anual.
Durante
a execução orçamentária do exercício, não poderá haver a
realização de despesas ou a assunção de obrigações que
extrapolem os limites estabelecidos na lei de diretrizes
orçamentárias, exceto se previamente autorizadas, mediante a
abertura de créditos suplementares ou especiais.
Como
garantia assecuratória da autonomia financeira, a CF/88 estabelece
em seu art. 168 que os recursos correspondentes às dotações
orçamentárias, compreendidos os créditos suplementares e
especiais, destinados aos órgãos dos Poderes Legislativo e
Judiciário e do Ministério Público, ser-lhes-ão entregues até o
dia 20 de cada mês, na forma da lei complementar a que se refere o
art. 165, § 9º.
4.
Estatuto da Magistratura
O
Estatuto da Magistratura consiste num conjunto de normas
constitucionais e legais, destinadas à disciplina da carreira da
magistratura, forma e requisitos de acesso, critérios de promoção,
aposentadoria, subsídio, vantagens, direitos, deveres,
responsabilidades, impedimentos e outros aspectos relacionados à
atividade de magistrado.
Em
consonância com o art. 93 da CF, Lei Complementar, de iniciativa do
STF, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observando os
princípios enumerados na Carta Constitucional. O STF já decidiu que
a aplicabilidade das normas e princípios inscritos no art. 93
independe da promulgação do Estatuto, em face do caráter de plena
e integral eficácia de que se revestem aqueles preceitos.
Os
princípios são os seguintes:
I
- ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz
substituto, mediante concurso público de provas e títulos, com a
participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases,
exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de
atividade jurídica e obedecendo-se, nas nomeações, à ordem de
classificação;
II
- promoção de entrância para entrância, alternadamente, por
antigüidade e merecimento, atendidas as seguintes normas:
·É
obrigatória a promoção do juiz que figure por três vezes
consecutivas ou cinco alternadas em lista de merecimento;
·A
promoção por merecimento pressupõe dois anos de exercício na
respectiva entrância e integrar o juiz a primeira quinta parte da
lista de antiguidade desta, salvo se não houver com tais requisitos
quem aceite o lugar vago;
·Aferição
do merecimento conforme o desempenho e pelos critérios objetivos de
produtividade e presteza no exercício da jurisdição e pela
frequência e aproveitamento em cursos oficiais ou reconhecidos de
aperfeiçoamento;
·Na
apuração de antiguidade, o tribunal somente poderá recusar o juiz
mais antigo pelo voto fundamentado de dois terços de seus membros,
conforme procedimento próprio, e assegurada ampla defesa,
repetindo-se a votação até fixar-se a indicação;
·Não
será promovido o juiz que, injustificadamente, retiver autos em seu
poder além do prazo legal, não podendo devolvê-los ao cartório
sem o devido despacho ou decisão;
III
o acesso aos tribunais de segundo grau far-se-á por antiguidade e
merecimento, alternadamente, apurados na última ou única entrância;
IV
previsão de cursos oficiais de preparação, aperfeiçoamento e
promoção de magistrados, constituindo etapa obrigatória do
processo de vitaliciamento a participação em curso oficial ou
reconhecido por escola nacional de formação e aperfeiçoamento de
magistrados;
V
- o subsídio dos Ministros dos Tribunais Superiores corresponderá a
noventa e cinco por cento do subsídio mensal fixado para os
Ministros do Supremo Tribunal Federal e os subsídios dos demais
magistrados serão fixados em lei e escalonados, em nível federal e
estadual, conforme as respectivas categorias da estrutura judiciária
nacional, não podendo a diferença entre uma e outra ser superior a
dez por cento ou inferior a cinco por cento, nem exceder a noventa e
cinco por cento do subsídio mensal dos Ministros dos Tribunais
Superiores, obedecido, em qualquer caso, o disposto nos arts. 37, XI,
e 39, § 4º;
VI
- a aposentadoria dos magistrados e a pensão de seus dependentes
observarão o disposto no art. 40;
VII
- o juiz titular residirá na respectiva comarca, salvo autorização
do tribunal;
VIII
- o ato de remoção, disponibilidade e aposentadoria do magistrado,
por interesse público, fundar-se-á em decisão por voto da maioria
absoluta do respectivo tribunal ou do Conselho Nacional de Justiça,
assegurada ampla defesa;
VIII-A
- a remoção a pedido ou a permuta de magistrados de comarca de
igual entrância atenderá, no que couber, ao disposto nas alíneas a
, b , c e e do inciso II;
IX
- todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão
públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade,
podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias
partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a
preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não
prejudique o interesse público à informação;
X
- as decisões administrativas dos tribunais serão motivadas e em
sessão pública, sendo as disciplinares tomadas pelo voto da maioria
absoluta de seus membros;
XI
- nos tribunais com número superior a vinte e cinco julgadores,
poderá ser constituído órgão especial, com o mínimo de onze e o
máximo de vinte e cinco membros, para o exercício das atribuições
administrativas e jurisdicionais delegadas da competência do
tribunal pleno, provendo-se metade das vagas por antiguidade e a
outra metade por eleição pelo tribunal pleno;
XII
- a atividade jurisdicional será ininterrupta, sendo vedado férias
coletivas nos juízos e tribunais de segundo grau, funcionando, nos
dias em que não houver expediente forense normal, juízes em plantão
permanente;
XIII
- o número de juízes na unidade jurisdicional será proporcional à
efetiva demanda judicial e à respectiva população;
XIV
- os servidores receberão delegação para a prática de atos de
administração e atos de mero expediente sem caráter decisório;
XV
a distribuição de processos será imediata, em todos os graus de
jurisdição.