Imprescindível frisar que eventual expedição automática, pelo
sistema ELO, de certidão de quitação eleitoral, não ofusca o fato
de que o pretenso candidato que teve suas contas de campanha
rejeitadas não está quite com a justiça eleitoral, sendo premente
que seja impugnado seu pedido de registro de candidatura.
A
esse respeito, clara é a jurisprudência pátria ao fazer perfeita
distinção entre a emissão de certidão eleitoral e a ausência de
quitação eleitoral, a saber:
[…] A emissão automática de certidões pelo sistema
ELO, obedecendo configurações padronizadas pelo TSE, destina-se a
facilitar o trabalho das Serventias Eleitorais. Todavia, sempre que
necessário para espelhar a situação real, deve o Juiz Eleitoral
determinar a confecção da certidão por outro meio. Deve a
informatização estar a serviço do Direito, e não o contrário[...]
(Recurso Eleitoral nº 2860, TRE/MG, Rel. Benjamin Alves Rabello
Filho. j. 29.04.2010, maioria, DJEMG 07.05.2010).
Entretanto, em recente sessão administrativa, o Tribunal Superior
Eleitoral, julgando pedido de reconsideração relativo aos termos da
Resolução TSE nº 23.376/2012, resolveu, por 4 x 3 (desempatando o
Ministro Dias Toffoli), deferir
o
pedido,
para
excluir
do
artigo
52
do
referido
instrumento
normativo
o
parágrafo
2º,
passando
o
§
1º
à
condição
de
parágrafo
único.
Com
referida
decisão,
o
TSE
teria determinado
que
a
desaprovação
das
contas
de
campanha
eleitoral
de
candidato
não
obstaria
a
obtenção
da
certidão
de
quitação
eleitoral,
requisito
infraconstitucional
de
elegibilidade,
conforme
estabelecido
na
Lei
Federal
nº
9.504/97,
artigo
11,
inciso
VI.
Ocorre, contudo, que a realidade não pode e não deve ser observada
de maneira tão mesquinha e tosca, sendo necessário que
estabeleçamos que permanece íntegra a correta hermenêutica
normativa (de matriz constitucional) cominatória da ausência de
quitação eleitoral em relação ao candidato, que tivera suas
contas eleitorais anteriormente rejeitadas.
Ora,
dentre os possíveis significados do signo apresentar, como
significante de um acontecimento do mundo dos fatos juridicamente
relevante estão o de provar, comprovar e
demonstrar, que exigem, irrefragavelmente, um exame do
conteúdo apresentado. Outros possíveis significados são aduzir,
alegar, expor, argumentar,
ponderar, demonstrar, significando ativa atuação
expositiva, argumentativa, e demonstrativa, não se limitando, pois,
ao mero protocolo (aspecto formal) da prestação de contas, mas
também ao seu elemento conteudístico (material, meritório,
exigindo, pois, um esforço probatório próprio do argumento). Há,
ainda, como significação possível, enfeitar, significando,
neste caso, adereçar, adornar, aformosear, aparatar, decorar,
dourar, embelezar, formosear, emoldurar, ornamentar, sentidos
completamente alheios à ratio legis eleitoral, fazendo
prevalecer, neste caso, elementos meramente formais, exteriores, de
aparência, sem conteúdo meritório.
Parece que há significado para todos os gostos, que podem ser
usados conforme apetecer ao “freguês”. Diante disso, surgiram
interpretações tão díspares, inclusive a de que “a
mera apresentação”
da prestação de contas é suficiente à obtenção da certidão de
quitação eleitoral, avalizando judicialmente a candidatura de
vários pretendentes a mandatos eletivos que tiveram suas contas de
campanha anteriormente rejeitadas (mais
de 21 mil em números atuais), em muitos casos com notas de
abuso de poder econômico, improbidade administrativa, delitos contra
a ordem tributária, fraudes e tantos outros ilícitos, não só
eleitorais, mas também fiscais, administrativos, penais, etc.
Ora, aceitar como única possível interpretação do artigo 11,
inciso 7º, da Lei Federal nº 9.504/97, após a denominada
“minirreforma eleitoral de 2009”, para fins de obtenção da
situação jurídica de quitação eleitoral, a de “mera
apresentação de contas”, vale dizer, somente o tempestivo
protocolo das contas eleitorais, é o mesmo que acolher como sentido
de seu texto apenas os simples elementos de aparência, formais,
exteriores, a moldura e os seus ornamentos. Observamos, por oportuno,
que a expressão “mera” não existe grafada no
texto da norma, tendo sido um acréscimo do hermeneuta, incongruente
com o verdadeiro alcance da norma eleitoral.
Acerca
de tal,
trilhou um
bom caminho
o DD
Procurador Regional
Eleitoral em
Alagoas, Dr.
Rodrigo Tenório,
em contribuição
jurídica versante
sobre o
tema da
rejeição de
contas eleitorais,
cotejando-o com
as consequências
jurídicas aplicáveis
às situações
de ausência
de apresentação
da prestação
de contas
eleitoral, recentemente
publicado na
rede mundial
de computadores
– internet
(http://www.rodrigotenorio.com.br/2012/04/o-tse-errou-ao-dizer-que-rejeicao-de.html),
quando assevera
que não
podemos olvidar
que:
[…]
o direito, como toda linguagem, é um sistema de elementos coerentes
que guardam entre si relação de não contradição. É
absolutamente incoerente considerar a que a não apresentação de
contas poderia impedir a quitação e a desaprovação não. É que
naquela sequer se comprovou efetivamente que vício severo ocorreu, o
que ocorre nos procedimentos de prestação de contas findados com
decisão de rejeição[...]
Conforme
já estabelecido alhures, ao contrário do que pretendeu fazer crer o
Ministro Dias Toffoli, que deliberou o pedido de reconsideração
acerca da Resolução TSE nº 23.376/2012 nitidamente no interesse de
vários partidos políticos, capitaneados pelo PT, em contrariedade à
maioria dos Ministros togados, oriundos da carreira da magistratura,
a norma não reclama uma exegese tão limitada, simplista, tacanha e
totalmente parcial.
O
verdadeiro âmbito semântico do dispositivo legal, tão oblíqua e
festejadamente aplicado no pedido de reconsideração, não é o da
mera apresentação formal das contas, como se patrocinasse
complacentemente um “faz de conta” eleitoral.
Ora,
tão ou (muito) mais graves que as denominadas contas prestadas de
“maneira fajuta”, são aquelas inquinadas por irregularidades
insanáveis (aqui ainda não estamos discutindo as que também
demonstrem indícios de abuso do poder econômico, utilização de
caixa 2, financiamento ilegal de campanhas, ou quaisquer outras
circunstâncias que reclamem concomitante ou posterior – mas não
exclusivo e excludente, posto que independente – manejo de Ação
de Investigação Judicial Eleitoral, da Representação do artigo
30-A (da Lei Federal nº 9.504/1997), Recurso Contra a
Diplomação, Ação de Impugnação de Mandato Eletivo, ou mesmo
ações penais.
Nesse
ponto,
precisas
as
lições
do
Ministro
Marco
Aurélio
ao
referir-se
ao
art.
11,
§7º,
no voto proferido no
RESPE
153164MT,
acompanhado
pelos
Ministros
Ricardo Lewandowsky
e
Nancy
Aldrighi.
Já naquela ocasião, afirmou-se que
a
referência
à
apresentação
de
contas
é
feita
não
apenas
para
se
atender
a
um
aspecto
meramente
formal,
mas
para
se
perquirir sobre
a
harmonia
ou
não
dessas
contas
com
o
ordenamento
jurídico,
arrematando o Ministro:
"É
possível
afirmar,
potencializando-se
apenas
o
aspecto
formal
em
detrimento
do
fundo,
ser
suficiente
dirigir-se
ao
protocolo
da
Justiça
Eleitoral
e
apresentar
contas,
pouco
importando
a
boa
ou
a
má
procedência
delas?
A
finalidade
da
norma
não
é
essa,
a
menos
que
também
se
assente
que,
apresentadas
as
contas,
haja
o
exaurimento
do
dever
do
candidato,
sem
a
necessidade
sequer
do
pronunciamento
da
Justiça
Eleitoral
sobre
a
regularidade
[…] Senhor
Presidente,
não
consigo
emprestar
ao
§
7º
do
artigo
11
da
Lei
n°
9.504/1997
sentido
limitativo
quanto
aos
elementos
conducentes
a
obter-se
a
certidão
de
quitação
eleitoral.
A
rejeição
das
contas
está
compreendida
no
preceito
como
fator
determinante
para
não
se
alcançar
a
certidão
de
quitação.
A
referência
a
esta,
contida
no
início
do
preceito,
norteia
o
alcance
da
parte
final,
da
expressão
"apresentação
de
contas".
Não
há, pois, como considerar prestadas as contas eleitorais pela
simples apresentação formal, se a melhor exegese da legislação de
regência erige como necessária a verificação da regularidade das
contas eleitorais prestadas pelo candidato (artigo 30, caput,
da Lei Federal nº 9.504/1997) e a culminante ausência de quitação
eleitoral, decorrente da rejeição das contas apresentadas, quando
verificadas falhas que lhes comprometam a regularidade.
Sobre
a consequência de impedir a obtenção de certidão de quitação
eleitoral durante o curso do mandado a que concorreu o candidato,
essa regra é bastante conhecida, integrando todas as demais
Resoluções do TSE sobre a prestação de contas eleitorais, senão
vejamos:
RESOLUÇÃO TSE
n° 23.217/2010
Art. 41. A decisão
que julgar as contas eleitorais como não prestadas acarretará:
I - ao candidato, o
impedimento de obter a certidão de quitação eleitoral durante o
curso do mandato ao qual concorreu, persistindo os efeitos da
restrição até a efetiva apresentação das contas;
RESOLUÇÃO TSE
nº 23.376/2012
Art.
53. A decisão que julgar as contas eleitorais como não prestadas
acarretará: Inst nº 1542-64.2011.6.00.0000/DF 34
I
– ao candidato, o impedimento de obter a certidão de quitação
eleitoral até o final da legislatura, persistindo os efeitos da
restrição após esse período até a efetiva apresentação das
contas.
.
. . . . . . . . . .
§
2º Julgadas não prestadas, mas posteriormente apresentadas, as
contas não serão objeto de novo julgamento, sendo considerada a sua
apresentação apenas para fins de divulgação e de regularização
no Cadastro Eleitoral ao término da legislatura, nos termos do
inciso I do art. 53 desta resolução.
Há,
portanto, uniforme exegese no sentido de que as contas não
apresentadas no prazo legal, ou mesmo em sede diligencial, após
notificado o candidato para esse fim, serão julgadas como não
prestadas, culminando em impedimento parta obter certidão de
quitação eleitoral até o final do mandado a que concorreu o
candidato, não sendo objeto de novo julgamento acaso prestadas
extemporaneamente, sendo consideradas apenas para fins de divulgação,
consulta e regularização do cadastro eleitoral (mas somente após o
término do mandato a que concorreu o candidato)
Eventual
recepção extemporânea das contas não tem o condão de autorizar
novo julgamento em torno da matéria, já regularmente decidida,
estando abarcada pela coisa julgada material e formal, sendo
imodificável de ofício pelo juiz, não mais cabendo recurso
voluntário da parte, tratando-se, portanto, de matéria precluída,
restando a prestação de contas apenas para fins de consulta e
julgamento somente após vencido o prazo de ausência de quitação
eleitoral (final do mandado a que concorreu o candidato, em virtude
do qual suas contas foram julgadas não prestadas).
Sobre
todos os argumentos erigidos, a jurisprudência pátria, de instância
a instância, já firmou psicionamento:
(TRE/AL) PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. ELEIÇÕES
2010. CARGO. DEPUTADO ESTADUAL. OMISSÃO. NOTIFICAÇÃO PARA PRESTAR
CONTAS. ART. 26, § 4º, DA RES. TSE Nº 23.217/10. DECURSO DO PRAZO
IN ALBIS. ENVIO DE CÓPIAS AO MPE PARA APURAÇÃO DO DELITO PREVISTO
NO ART. 347 DO CÓDIGO ELEITORAL. IMPOSSIBILIDADE DE OBTER CERTIDÃO
DE QUITAÇÃO ELEITORAL. INTELIGÊNCIA DO ART. 11, § 7º, DA LEI Nº
9.504/97, E DO ART. 26, § 5º, DA RES. TSE Nº 23.217/10. CONTAS
JULGADAS NÃO PRESTADAS. ART. 39, IV, DA RES. TSE Nº 23.217/10.
DECISÃO UNÂNIME. (Prestação de Contas nº 310913, TRE/AL, Rel.
Luciano Guimarães Mata. j. 23.02.2011, unânime, DEJE 24.02.2011).
(TSE)
EMENTA:
Processo
administrativo.
Quitação
eleitoral.
Lei
12.034/2009.
Dever
de
prestar
contas
à
Justiça
Eleitoral.
Arts.
14,
§9º,
e
17,
III,
ambos
da
Constituição.
Interpretação
sistemática.
Mera
apresentação
das
contas.
Insuficiência.
Necessidade
de
aprovação
das
contas.
Solicitação
respondida.
I
-
A
exegese
das
normas
do
nosso
sistema
eleitoral
deve
ser
pautada
pela
normalidade
e
a
legitimidade
do
pleito,
valores
nos
quais
se
inclui
o
dever
de
prestar
contas
à
Justiça
Eleitoral,
nos
termos
dos
arts.
14,
§9º,
e
17,
III,
ambos
da
Constituição.
II
-
Não
se
pode
considerar
quite
com
a
Justiça
Eleitoral
o
candidato
que
teve
suas
contas
desaprovadas
pelo
órgão
constitucionalmente
competente.
III
-
Para
os
fins
de
quitação
eleitoral
será
exigida,
além
dos
demais
requisitos
estabelecidos
em
lei,
a
aprovação
das
contas
de
campanha
eleitoral,
não
sendo
suficiente
sua
simples
apresentação.
IV
-
Solicitação
respondida.
(Ac.
59459,
de
3.8.10,
do
TSE).