Todos
os Estados possuem e sempre possuíram, em todos os momentos da sua história,
uma Constituição material, real e verdadeira. A diferença surgida em tempos
mais recentes não é a presença de Constituições reais e efetivas, mas sim o
aparecimento de Constituições escritas nas folhas de papel.
Em
linguagem simples e objetiva, Dirley da Cunha conceitua a Constituição como um
conjunto de normas jurídicas supremas que estabelecem os fundamentos de
organização do Estado e da Sociedade, dispondo e regulando a forma de Estado, a
forma e sistema de governo, o seu regime político, seus objetivos fundamentais,
o modo de aquisição e exercício do poder, a composição, as competências e o
funcionamento de seus órgãos, os limites da sua atuação e a responsabilidade de
seus dirigentes, e fixando uma declaração de direitos e garantias fundamentais
e as principais regras de convivência social.
Numa
concepção sociológica, a constituição haure a sua origem na própria realidade
social. A constituição, nesse sentido, não é produto da Razão, mas sim
resultado das forças sociais; não é pura forma de “dever ser”, mas de “ser”.
Nessa
perspectiva, a constituição deve ser examinada, não em si mesma, mas em relação
à sociedade que a adota, da qual ela constitui puro reflexo, ou expressão da
realidade nela existente.
Ferdinand
Lassalle, na sua obra “A Essência da Constituição”, revelou os fundamentos
sociológicos das Constituições: os fatores reais do poder que regem determinada
sociedade. Esses fatores reais constituem, segundo Lassalle, uma força ativa e
eficaz que, por uma exigência da necessidade, informa todas as leis e
instituições jurídicas vigentes no país, determinando que elas sejam o que
realmente são.
Para
ele, constituem fatores reais do poder: a monarquia, a aristocracia, a grande
burguesia, os banqueiros e, com especial conotação, a pequena burguesia e a
classe operária, todos, sem exceção, compondo parte da Constituição, que ele
denomina Constituição real e efetiva.
Essa
teoria distintiva de Lassalle apenas demonstra um fato: a diferença entre a
Constituição jurídica, tal como exposta e configurada num documento escrito, e
a constituição real, tal como observada, realizada e cumprida na realidade.
Assim,
essa Constituição real e efetiva não se confunde com a constituição jurídica,
que não passa de uma mera folha de papel que deve necessariamente refletir a
constituição real. A constituição jurídica não pode divorciar-se da constituição
real, sob pena de tornar-se ilegítima.
Lassalle
conclui o seu pensamento afirmando que os problemas constitucionais não são
problemas jurídicos, mas sim problemas de poder. E que a constituição de um
país – a sua constituição real – somente pode ter por base os fatores reais de
poder que naquele país vigem e as constituições escritas não têm valor, nem são
duráveis, a não ser que exprimam fielmente os fatores reais do poder que
imperam na realidade social.
(B) Concepção política
Para
Carl Schmitt, a constituição é entendida como o modo e a forma de ser de uma
unidade política, ou seja, de uma Nação. Nesse sentido, a Constituição
significa, essencialmente, decisão política fundamental, decisão concreta de
conjunto sobre o modo e a forma de existência da unidade política.
A
constituição, como uma decisão consciente da comunidade política, deriva de uma
vontade política já existente. Daí considerar-se Schmitt como um voluntarista,
uma vez que confere relevante papel a vontade política da Nação.
Percebe-se,
no pensamento de Schmitt, que não é a constituição que produz a unidade
política, mas, inversamente, é a unidade política, ou seja, a Nação que gera a
Constituição. Enfim, a constituição só existe porque antes dela já existia uma
unidade política, e somente a decisão conjunta de um povo sobre o modo e a
forma de sua existência é que confere a um conjunto de normas o caráter de
constituição.
Para
a conceituação de constituição, Schmitt parte de uma distinção que considera
fundamental entre Constituição e leis constitucionais. Para o autor, a
constituição corresponde apenas a um conjunto de normas referentes aos aspectos
fundamentais do Estado, que ele denomina decisões políticas fundamentais. Tudo
o mais, por não se relacionar com aqueles aspectos, integra o conceito de lei
constitucional, pelo só fato de integrar o texto normativo de uma constituição.
Conclui
o autor, revelando os resultados práticos da sua distinção entre constituição e
lei constitucional, que tem como mais importante conseqüência a seguinte:
enquanto as leis constitucionais podem ser reformadas, pelo processo de reforma
constitucional, as decisões políticas fundamentais jamais podem ser reformadas.
Outro
efeito da distinção consiste em que, segundo Schmitt, nas chamadas situações
constitucionais de crise, somente as leis constitucionais podem ser suspensas,
nunca as decisões políticas fundamentais.
(C) Concepção jurídica
Numa
concepção estritamente jurídica, a constituição é concebida como uma norma
jurídica, uma norma jurídica fundamental de organização do Estado e de seus
elementos essenciais, dissociada de qualquer fundamento sociológico, político
ou filosófico.
Hans
Kelsen foi o maior defensor do conceito puramente jurídico de constituição.
Para ele, a constituição pode ser concebida em dois sentidos: no
lógico-jurídico, como a norma hipotética fundamental, pressuposta, que serve de
fundamento lógico transcendental de validade da própria constituição
jurídico-positiva; e no jurídico-positivo, como a norma positiva suprema,
fundamento de validade para todas as outras normas positivas, ocupando,
destarte, o vértice do ordenamento jurídico do Estado.
A
teoria pura do Direito é, segundo proclama o próprio Kelsen, uma teoria do
direito positivo, uma vez que centrada no exame formal da norma jurídica. Em
face disso, é uma teoria da dogmática jurídica, já que contempla,
normativamente, as regras efetivas, impostas por seres humanos para seres
humanos, ou seja, como dispositivos do dever ser, como normas, portanto.
Kelsen
teve, portanto, o mérito de estabelecer o seu princípio metodológico
fundamental: garantir um conhecimento dirigido exclusivamente ao direito e
excluir deste conhecimento tudo quanto não pertença ao seu exato objeto. Ou
seja, o Direito deve ser encarado como norma, jamais como fato social ou como
valor transcendente.
A
teoria pura de Kelsen trabalha com a categoria fundamental “norma jurídica”, em
torno da qual gravitam outras categorias teóricas, àquela referidas
diretamente: ilícito, sanção, validade, eficácia, etc. Disto resulta que, para
essa teoria, o direito é um sistema de normas prescritivas de conduta humana,
cuja unidade é constituída pelo fato de todas elas terem o mesmo fundamento de
validade, representado pela norma fundamental.
Kelsen
concebeu o Direito como uma ordem normativa, ou seja, como um sistema
escalonado de normas jurídicas, onde várias normas são estruturadas e dispostas
hierarquicamente. Segundo o autor, a unidade do sistema jurídico é produto da
relação de dependência, que resulta do fato de a validade de uma norma jurídica
apoiar-se sobre essa norma, cuja produção, por sua vez, é determinada por outra
e assim por diante, até alcançar-se uma norma suprema, que funcione como o
fundamento último de validade, o qual garante a unidade do direito, fechando o
sistema jurídico, à medida em que todas as normas jurídicas do sistema são
reconduzidas a ela. O fundamento de validade da norma pressuposta não pode ser
questionada, apresentando-se essa norma como um postulado.
Em
termos práticos, pode-se dizer que é a norma fundamental que impõe obediência à
Constituição de um País e às demais normas jurídicas por esta fundamentadas.
Nesse sentido, a norma fundamental é o ponto inicial do Direito.