sábado, 1 de dezembro de 2012

FOUCAULT E A PRISÃO


Em seu livro vigiar e punir, Michel Foucault demarca o nascimento da prisão, do jeito como a conhecemos hoje, no século XIX como uma instituição de fato. De acordo com o mesmo, a prisão surge sem uma justificação teórica, aparecendo em determinado momento como necessária na construção da rede do poder com a finalidade de controlar todas as formas de ilegalidades. Entretanto, o mencionado escritor deixa claro que entre os séculos XVIII e XIX, em plena revolução industrial, opera-se uma transformação no sistema coercitivo estatal, ou seja, houve uma modificação na forma como as sanções criminais eram aplicadas, substituindo as penas privativas de liberdade em detrimento das penas corporais.

Desse jeito, a coerção penal passou a ter por fundamento não mais o castigo, mas a correção do condenado. Segundo Foucault: "a pena passa do corpo à alma", o que demonstra a evolução alcançada na matéria.

Ao longo do seu estudo sobre a problemática das prisões na sociedade moderna, Foucault promove um deslocamento essencial sobre os motivos aparentemente circunstanciais do surgimento da prisão e acentua que desde o começo ela deveria ser um instrumento tão aperfeiçoado de transformação e ação sobre os indivíduos, tal como a escola, o exército ou o hospital.

O mencionado escritor as chama de instituições de sequestro, uma vez que (segundo ele) a reclusão imposta ao individuo não pretende propriamente o excluir, mas, sobretudo, incluí-lo em um sistema normalizador.

Foucault aponta que as prisões se tornam objetos históricos significativos quando nos mostram, no rigor de seus rituais de poder, os limites que governam o exercício do poder. Nesse sentido, o mencionado autor se concentra na formação do poder como produção de toda uma rede hierarquizada que se realiza a partir da troca entre saberes disciplinares nas mais diversas instituições, sejam elas propriamente repressivas (tal qual a prisão); econômicas (como as fábricas ou indústrias) ou mesmo pedagógicas ( a exemplo das escolas e universidades).

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

AUSENCIA DE QUITAÇÃO ELEITORAL POR REJEIÇÃO OU NÃO APRESENTAÇÃO DE CONTAS


Imprescindível frisar que eventual expedição automática, pelo sistema ELO, de certidão de quitação eleitoral, não ofusca o fato de que o pretenso candidato que teve suas contas de campanha rejeitadas não está quite com a justiça eleitoral, sendo premente que seja impugnado seu pedido de registro de candidatura.

A esse respeito, clara é a jurisprudência pátria ao fazer perfeita distinção entre a emissão de certidão eleitoral e a ausência de quitação eleitoral, a saber:

[…] A emissão automática de certidões pelo sistema ELO, obedecendo configurações padronizadas pelo TSE, destina-se a facilitar o trabalho das Serventias Eleitorais. Todavia, sempre que necessário para espelhar a situação real, deve o Juiz Eleitoral determinar a confecção da certidão por outro meio. Deve a informatização estar a serviço do Direito, e não o contrário[...] (Recurso Eleitoral nº 2860, TRE/MG, Rel. Benjamin Alves Rabello Filho. j. 29.04.2010, maioria, DJEMG 07.05.2010).

Entretanto, em recente sessão administrativa, o Tribunal Superior Eleitoral, julgando pedido de reconsideração relativo aos termos da Resolução TSE nº 23.376/2012, resolveu, por 4 x 3 (desempatando o Ministro Dias Toffoli), deferir o pedido, para excluir do artigo 52 do referido instrumento normativo o parágrafo 2º, passando o § à condição de parágrafo único.

Com referida decisão, o TSE teria determinado que a desaprovação das contas de campanha eleitoral de candidato não obstaria a obtenção da certidão de quitação eleitoral, requisito infraconstitucional de elegibilidade, conforme estabelecido na Lei Federal 9.504/97, artigo 11, inciso VI. Ocorre, contudo, que a realidade não pode e não deve ser observada de maneira tão mesquinha e tosca, sendo necessário que estabeleçamos que permanece íntegra a correta hermenêutica normativa (de matriz constitucional) cominatória da ausência de quitação eleitoral em relação ao candidato, que tivera suas contas eleitorais anteriormente rejeitadas.

Ora, dentre os possíveis significados do signo apresentar, como significante de um acontecimento do mundo dos fatos juridicamente relevante estão o de provar, comprovar e demonstrar, que exigem, irrefragavelmente, um exame do conteúdo apresentado. Outros possíveis significados são aduzir, alegar, expor, argumentar, ponderar, demonstrar, significando ativa atuação expositiva, argumentativa, e demonstrativa, não se limitando, pois, ao mero protocolo (aspecto formal) da prestação de contas, mas também ao seu elemento conteudístico (material, meritório, exigindo, pois, um esforço probatório próprio do argumento). Há, ainda, como significação possível, enfeitar, significando, neste caso, adereçar, adornar, aformosear, aparatar, decorar, dourar, embelezar, formosear, emoldurar, ornamentar, sentidos completamente alheios à ratio legis eleitoral, fazendo prevalecer, neste caso, elementos meramente formais, exteriores, de aparência, sem conteúdo meritório.

Parece que há significado para todos os gostos, que podem ser usados conforme apetecer ao “freguês”. Diante disso, surgiram interpretações tão díspares, inclusive a de que “a mera apresentação” da prestação de contas é suficiente à obtenção da certidão de quitação eleitoral, avalizando judicialmente a candidatura de vários pretendentes a mandatos eletivos que tiveram suas contas de campanha anteriormente rejeitadas (mais de 21 mil em números atuais), em muitos casos com notas de abuso de poder econômico, improbidade administrativa, delitos contra a ordem tributária, fraudes e tantos outros ilícitos, não só eleitorais, mas também fiscais, administrativos, penais, etc.

Ora, aceitar como única possível interpretação do artigo 11, inciso 7º, da Lei Federal nº 9.504/97, após a denominada “minirreforma eleitoral de 2009”, para fins de obtenção da situação jurídica de quitação eleitoral, a de “mera apresentação de contas”, vale dizer, somente o tempestivo protocolo das contas eleitorais, é o mesmo que acolher como sentido de seu texto apenas os simples elementos de aparência, formais, exteriores, a moldura e os seus ornamentos. Observamos, por oportuno, que a expressão “mera” não existe grafada no texto da norma, tendo sido um acréscimo do hermeneuta, incongruente com o verdadeiro alcance da norma eleitoral.

Acerca de tal, trilhou um bom caminho o DD Procurador Regional Eleitoral em Alagoas, Dr. Rodrigo Tenório, em contribuição jurídica versante sobre o tema da rejeição de contas eleitorais, cotejando-o com as consequências jurídicas aplicáveis às situações de ausência de apresentação da prestação de contas eleitoral, recentemente publicado na rede mundial de computadores – internet (http://www.rodrigotenorio.com.br/2012/04/o-tse-errou-ao-dizer-que-rejeicao-de.html), quando assevera que não podemos olvidar que:

[…] o direito, como toda linguagem, é um sistema de elementos coerentes que guardam entre si relação de não contradição. É absolutamente incoerente considerar a que a não apresentação de contas poderia impedir a quitação e a desaprovação não. É que naquela sequer se comprovou efetivamente que vício severo ocorreu, o que ocorre nos procedimentos de prestação de contas findados com decisão de rejeição[...]

Conforme já estabelecido alhures, ao contrário do que pretendeu fazer crer o Ministro Dias Toffoli, que deliberou o pedido de reconsideração acerca da Resolução TSE nº 23.376/2012 nitidamente no interesse de vários partidos políticos, capitaneados pelo PT, em contrariedade à maioria dos Ministros togados, oriundos da carreira da magistratura, a norma não reclama uma exegese tão limitada, simplista, tacanha e totalmente parcial.

O verdadeiro âmbito semântico do dispositivo legal, tão oblíqua e festejadamente aplicado no pedido de reconsideração, não é o da mera apresentação formal das contas, como se patrocinasse complacentemente um “faz de conta” eleitoral.

Ora, tão ou (muito) mais graves que as denominadas contas prestadas de “maneira fajuta”, são aquelas inquinadas por irregularidades insanáveis (aqui ainda não estamos discutindo as que também demonstrem indícios de abuso do poder econômico, utilização de caixa 2, financiamento ilegal de campanhas, ou quaisquer outras circunstâncias que reclamem concomitante ou posterior – mas não exclusivo e excludente, posto que independente – manejo de Ação de Investigação Judicial Eleitoral, da Representação do artigo 30-A (da Lei Federal nº 9.504/1997), Recurso Contra a Diplomação, Ação de Impugnação de Mandato Eletivo, ou mesmo ações penais.

Nesse ponto, precisas as lições do Ministro Marco Aurélio ao referir-se ao art. 11, §7º, no voto proferido no RESPE 153164MT, acompanhado pelos Ministros Ricardo Lewandowsky e Nancy Aldrighi. Já naquela ocasião, afirmou-se que a referência à apresentação de contas é feita não apenas para se atender a um aspecto meramente formal, mas para se perquirir sobre a harmonia ou não dessas contas com o ordenamento jurídico, arrematando o Ministro:

possível afirmar, potencializando-se apenas o aspecto formal em detrimento do fundo, ser suficiente dirigir-se ao protocolo da Justiça Eleitoral e apresentar contas, pouco importando a boa ou a procedência delas? A finalidade da norma não é essa, a menos que também se assente que, apresentadas as contas, haja o exaurimento do dever do candidato, sem a necessidade sequer do pronunciamento da Justiça Eleitoral sobre a regularidade […] Senhor Presidente, não consigo emprestar ao § 7º do artigo 11 da Lei 9.504/1997 sentido limitativo quanto aos elementos conducentes a obter-se a certidão de quitação eleitoral. A rejeição das contas está compreendida no preceito como fator determinante para não se alcançar a certidão de quitação. A referência a esta, contida no início do preceito, norteia o alcance da parte final, da expressão "apresentação de contas".

Não há, pois, como considerar prestadas as contas eleitorais pela simples apresentação formal, se a melhor exegese da legislação de regência erige como necessária a verificação da regularidade das contas eleitorais prestadas pelo candidato (artigo 30, caput, da Lei Federal nº 9.504/1997) e a culminante ausência de quitação eleitoral, decorrente da rejeição das contas apresentadas, quando verificadas falhas que lhes comprometam a regularidade.

Sobre a consequência de impedir a obtenção de certidão de quitação eleitoral durante o curso do mandado a que concorreu o candidato, essa regra é bastante conhecida, integrando todas as demais Resoluções do TSE sobre a prestação de contas eleitorais, senão vejamos:

RESOLUÇÃO TSE n° 23.217/2010

Art. 41. A decisão que julgar as contas eleitorais como não prestadas acarretará:

I - ao candidato, o impedimento de obter a certidão de quitação eleitoral durante o curso do mandato ao qual concorreu, persistindo os efeitos da restrição até a efetiva apresentação das contas;


RESOLUÇÃO TSE nº 23.376/2012

Art. 53. A decisão que julgar as contas eleitorais como não prestadas acarretará: Inst nº 1542-64.2011.6.00.0000/DF 34

I – ao candidato, o impedimento de obter a certidão de quitação eleitoral até o final da legislatura, persistindo os efeitos da restrição após esse período até a efetiva apresentação das contas.

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§ 2º Julgadas não prestadas, mas posteriormente apresentadas, as contas não serão objeto de novo julgamento, sendo considerada a sua apresentação apenas para fins de divulgação e de regularização no Cadastro Eleitoral ao término da legislatura, nos termos do inciso I do art. 53 desta resolução.

Há, portanto, uniforme exegese no sentido de que as contas não apresentadas no prazo legal, ou mesmo em sede diligencial, após notificado o candidato para esse fim, serão julgadas como não prestadas, culminando em impedimento parta obter certidão de quitação eleitoral até o final do mandado a que concorreu o candidato, não sendo objeto de novo julgamento acaso prestadas extemporaneamente, sendo consideradas apenas para fins de divulgação, consulta e regularização do cadastro eleitoral (mas somente após o término do mandato a que concorreu o candidato)

Eventual recepção extemporânea das contas não tem o condão de autorizar novo julgamento em torno da matéria, já regularmente decidida, estando abarcada pela coisa julgada material e formal, sendo imodificável de ofício pelo juiz, não mais cabendo recurso voluntário da parte, tratando-se, portanto, de matéria precluída, restando a prestação de contas apenas para fins de consulta e julgamento somente após vencido o prazo de ausência de quitação eleitoral (final do mandado a que concorreu o candidato, em virtude do qual suas contas foram julgadas não prestadas).

Sobre todos os argumentos erigidos, a jurisprudência pátria, de instância a instância, já firmou psicionamento:

(TRE/AL) PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. ELEIÇÕES 2010. CARGO. DEPUTADO ESTADUAL. OMISSÃO. NOTIFICAÇÃO PARA PRESTAR CONTAS. ART. 26, § 4º, DA RES. TSE Nº 23.217/10. DECURSO DO PRAZO IN ALBIS. ENVIO DE CÓPIAS AO MPE PARA APURAÇÃO DO DELITO PREVISTO NO ART. 347 DO CÓDIGO ELEITORAL. IMPOSSIBILIDADE DE OBTER CERTIDÃO DE QUITAÇÃO ELEITORAL. INTELIGÊNCIA DO ART. 11, § 7º, DA LEI Nº 9.504/97, E DO ART. 26, § 5º, DA RES. TSE Nº 23.217/10. CONTAS JULGADAS NÃO PRESTADAS. ART. 39, IV, DA RES. TSE Nº 23.217/10. DECISÃO UNÂNIME. (Prestação de Contas nº 310913, TRE/AL, Rel. Luciano Guimarães Mata. j. 23.02.2011, unânime, DEJE 24.02.2011).

(TSE) EMENTA: Processo administrativo. Quitação eleitoral. Lei 12.034/2009. Dever de prestar contas à Justiça Eleitoral. Arts. 14, §9º, e 17, III, ambos da Constituição. Interpretação sistemática. Mera apresentação das contas. Insuficiência. Necessidade de aprovação das contas. Solicitação respondida. I - A exegese das normas do nosso sistema eleitoral deve ser pautada pela normalidade e a legitimidade do pleito, valores nos quais se inclui o dever de prestar contas à Justiça Eleitoral, nos termos dos arts. 14, §9º, e 17, III, ambos da Constituição. II - Não se pode considerar quite com a Justiça Eleitoral o candidato que teve suas contas desaprovadas pelo órgão constitucionalmente competente. III - Para os fins de quitação eleitoral será exigida, além dos demais requisitos estabelecidos em lei, a aprovação das contas de campanha eleitoral, não sendo suficiente sua simples apresentação. IV - Solicitação respondida. (Ac. 59459, de 3.8.10, do TSE).